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Esfera Jurídica, um campo delicado.

Somos seres sociais e como tais, estamos constantemente em relação com outras pessoas, para conviver e trabalhar juntos. Para alcançarmos objetivos comuns, temos praticado o estabelecimento de acordos que podem ser mais ou menos formais (desde subentendidos até os formalizados em leis oficiais). Essa atividade de criar e praticar os acordos de diversos tipos, tem se mostrado extremamente desafiadora devido aos aspectos HUMANOS envolvidos. Esses materiais exploram o tema em termos de possibilidades e desafios, a partir de um ponto de vista antroposófico.

Já conhecemos a natureza trimembrada do Ser Humano com sua dinâmica do pensar, do sentir e do querer. E sua correspondência na vida social, a dinâmica da vida cultural, jurídica e econômica.

 

Convido a voltar o olhar para você mesmo, recordando um exemplo de situação em que se decidiu a realizar algo importante para você e que envolvia mais pessoas, ao menos mais uma. E o convido a recordar-se de como prosseguiu para efetivar o que decidiram realizar juntos. Refiro-me especialmente ao momento intermediário entre a decisão e a realização, quando provavelmente trataram de estabelecer alguns (ou muitos) combinados, limites, ou ao menos estabeleceram prazos e dividiram tarefas.

 

Muitas vezes esse momento intermediário passa sem muita atenção, apenas como uma conexão entre a decisão e a realização, a depender dos riscos envolvidos. Se vamos combinar um encontro para um jantar, pode ser suficiente definir previamente o local, hora e meio transporte. Caso esses elementos sejam familiares, corriqueiros, vivenciamos apenas como um ponto de conexão, não empreendemos muita energia aí; pelo contrário, queremos mesmo resolver isso rapidamente para empregar energia naquilo que realmente importa, que pode ser o assunto, o encontro com a pessoa, o local, a comida.

É diferente quando se trata da realização de um empreendimento, um projeto significativo cujo sucesso depende fortemente dos combinados, ou seja, quando sabemos ou pressentimos que os acordos serão determinantes do resultado. Nesse caso, para proteger, para assegurar o alcance de nossa meta, nos vemos chamados a trabalhar bastante nos acordos. No entanto, mesmo com tal consciência, com frequência desejamos também aqui resolver isso rapidamente, para ir logo ao que interessa: a realização, aquilo que promoverá no mundo o efeito almejado.

 

Esses combinados – acordos – podem estar apenas na consciência de cada pessoa envolvida, como por exemplo aquilo que se torna um costume, uma tradição numa certa comunidade, ou nação. Ficam como “obviedades” no convívio social. Até nos acostumarmos ao cuidado de fumar somente ao ar livre, usamos placas de proibição; hoje não são mais necessárias, isso já está resolvido, tornou-se óbvio. Do mesmo modo, eles podem também ser específicos em certos grupos, que os incorporam na sua convivência, como parte integrante de uma realidade comum.

A complexidade de nossa sociedade moderna, chega aos acordos assegurados pelo direito, geralmente comprováveis por meio de documentos, amparados em leis maiores da nação e acordos internacionais.

 

Essa introdução vem ilustrar a imensa gama de acordos que permeiam nosso cotidiano, nossa vida civil. Do mais informal ou até íntimo, ao mais formal, ordenamos nossas ações por acordos.

 

Acordos são, portanto, inerentes à vida social. Com certo rigor, podemos até citar os acordos internos, firmados entre partes de nosso próprio Ser. Ou seja, onde há partes conscientes convivendo, aí entre elas estão os acordos.

 

No estabelecimento de acordos, estamos exercendo nosso julgamento: estamos nos consultando e reconhecendo o que nos parece bom, certo, adequado. Em verdade tudo que de fora de nós percebemos, encontra-nos no interior e desse encontro surge o julgamento. Ele é uma atividade inerente ao Ser Humano. Quando concordamos com algo de fora de nós, estamos experimentando o reconhecimento de que valores nossos estão ali preservados. Quando criamos acordos, estamos vivenciando nossos valores, exercendo o julgamento.  

O julgamento que fazemos a respeito de algo, é uma expressão de nossos valores, daquilo que é importante para nós. Como seres vivos, a vida em nós se renova a cada instante, tornando-nos um pouco diferentes. Falando de outro modo, o julgamento que tecemos a respeito de algo acontece no presente, e se metamorfoseia no decorrer do tempo. Uma mesma pessoa pode mudar significativamente seu julgamento sobre algo após novas experiencias que modificam seus valores e crenças. Mesma pessoa, outros tempos, outros julgamentos.

Essa compreensão ilumina a complexidade do estabelecimento de acordos.

1.   Vale dizer que em nome de manter uma iniciativa, muitas vezes a estamos matando…  a vida do impulso que encarnou nesta organização pode requerer formas AINDA NÃO CONSTANTES das atuais possibilidades jurídicas disponíveis na nossa ordem social. Ela poderá apontar para novos futuros importantes para o mundo.

2.   Pensando de modo ideal, os acordos são a chance de seres humanos se ajustarem uns aos outros para conseguirem amar. Esse ajuste é a busca do reconhecimento daquilo que os conecta. O espaço de conexão comum, de comunhão, é o que pode sustentar acordos vivos. 

Quando estamos num grupo podemos adotar como estratégia de convivência, observar nosso próprio comportamento e “ler” os acordos que temos praticado entre nós.

Enquanto resultados de uma composição entre julgamentos de mais de uma pessoa, e sendo os julgamentos uma expressão efêmera de um Ser Humano em constante evolução, assim que firmados os acordos já começam a se tornar desajustados à realidade social !

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PERGUNTAS E RESPOSTAS

1. Pode aprofundar mais o que disse sobre o fato do incômodo com o não cumprimento de acordos ter a ver com nossa biografia?

O acordo fazemos com outros, como se ele pertencesse ao “nós”. E podemos avaliar o acordo, em que medida atende a cada um, a todos. Podemos avaliar em que medida o acordo nos atende etc. Porém muitas vezes confundimos uma antipatia que sentimos em relação a pessoas envolvidas no acordo, e colocamos o acordo como o ponto de incômodo, quando o ponto é a falta de conexão que sentimos com certa pessoa. E isso nada tem a ver com o acordo, mas ele está apenas servindo como revelador da antipatia pessoal. 

Se duas pessoas julgam um acordo inadequado, mas aceitam pelo momento, se tornam companheiras em exercer um acordo inadequado até a oportunidade de transformá-lo, elas convivem em paz, ainda que se relacionem por meio de um acordo insatisfatório. 

2. Como fazer acordos suficientemente flexíveis, para não matar a criatividade e a liberdade, que nos levam para o futuro?

​Uma possibilidade é um consenso sobre o que se deve conservar e o que pode ser inovado sempre, deixando espaço para o novo entrar, mantendo as referências do essencial. 

E trabalhar com margens quantitativas: de 10 a 15 pessoas, de 8% a 12% de desvio para mais ou menos, de meia hora a duas horas de variação, etc….

São as que me ocorrem agora. 

3. Se está sempre desatualizado, como cuidar?

​A questão é ampla. Desatualizados estamos todos a respeito de tudo, todo tempo. Em busca de minimizar esse efeito fatal, sugiro em exercício constante de todos os envolvidos, numa atitude de aceitação dessa realidade; levar em conta que nunca teremos acordos ÓTIMOS e prontos. Conviver com a imperfeição como parte da perfeição da Criação. 

Na prática, além de tolerância e senso constante de pesquisa para buscar ajustes nos acordos, sugiro rever os acordos periodicamente, sem apego. Outro fator que facilita é trabalhar com um número de pessoas não muito grande, que viabilize a escuta de cada ponto de vista, sem pressa e com real interesse. 

4. Existe diferença na “natureza” e/ou na “qualidade” dos acordos implícitos e explícitos?

Sim. Implícitos, ou não expressos claramente, tornam-se mais subjetivos e por isso provavelmente menos precisos. No entanto esses implícitos exercidos naturalmente, são poderosos para expressar necessidades e possibilidades espontaneamente. Se observados por um período, oferecem dicas valiosas para criar acordos que realmente atendam a todos, já que expressam valores na vida prática.

5. Como garantir que todos deem o seu melhor, se sintam nutridos, pertencentes e plenos num grupo tão diverso? 

Não sei. Seria a glória! Mas posso dizer que a conexão entre as pessoas, aqui posso chamar de aceitação e confiança mútuas, isso aumenta as chances uma vez que cria um continente seguro, mais livre de competições, de preconceitos. 

6. Como manter os acordos, sendo o presente tão efêmero ?

Como já toquei anteriormente, períodos para revisão, e muita observação para LER dos fenômenos as mudanças que querem chegar. É o mesmo que dizer, ter disposição para o novo SEMPRE, e ter disposição para trabalhar SEMPRE para o novo viver. 

7. Como separar o pessoal do acordo do grupo?

Auto observação. É um caminho de desenvolvimento da auto percepção, estar bem dentro de si todo tempo, mesmo atuando e se relacionando. 

 

8. Entender melhor o julgamento. 

O Julgamento guarda muito segredo ainda, para mim também. Esse campo do meio que chamamos várias vezes de SENTIR, é muito mais que um armário dos sentimentos. Dele pulsam as motivações das quais muitas vezes não sabemos bem a origem …. Bem como aberturas ou reticências, ou fechamentos para certas possibilidades futuras. 

Quando estamos agindo no mundo, constantemente estamos recebendo novas impressões, que afetam nossa vida interior e assim ativam nosso julgamento. 

9. Como acordos podem ser vivos e dinâmicos sem que gere o caos ou deixe as pessoas perdidas?

Novamente: buscar o equilíbrio entre o que é necessário no momento conservar (referências essenciais) e o que o grupo pode oferecer ao fluxo… 

 

10. Como lidar com a dança, entre o que o Eu dou conta de sustentar em relação ao Grupo e o Grupo em relação ao Eu?

Acho que estamos na virada dos tempos… me parece que temos um desafio de vivenciarmos o NÓS. Claro que espaço para cada um se expressar sempre, é muito necessário e esclarece onde todos podem ser livres. Imagino que nessa busca, desse espaço onde todos podem ser livres (um ideal), vivenciaremos o NÓS. O NÓS é para mim, como uma roupa que veste todos ao mesmo tempo, e com conforto. 

11. Pode repetir o tópico da inversão ?

Escolhi essa palavra para expressar a divina mágica que possibilita, por exemplo, eu comunicar aqui minhas ideias. Dentro de mim, um turbilhão de conteúdos se move com essa pergunta. Tenho de escolher, essencializar e um misterioso processo porta tudo que se moveu em mim, para dentro de algumas palavras que aqui escrevo. Sinto que me comuniquei, algo nasceu para o mundo. A inversão é um nascimento, uma passagem de um mundo para outro, num instante. É o impulso criando vida.

12. Sobre a inversão, pode falar um pouco mais, porque, quando e como ele ocorre?

PORQUE há vida, algo quer nascer. Talvez a pergunta PARA QUE também “puxe”, ajude no parto, desde o futuro. Ocorre sempre que há vida, que o impulso espiritual está manifesto na vida terrena.

13. Como identificar em um grupo se os acordos não estão funcionando por razão de algo realmente querendo nascer e não estamos vendo, ou por razão somente de hábitos, comodidade, preguiça, resistência?

Gostei dessa pergunta!!!!! Mas não vi a situação. 

Aqui temos uma pergunta construída em cima de um julgamento a respeito de certas pessoas. Para exercitar, vou tomar como um fato essa resistência. Pessoas que estão preferindo comodidade, sem disposição a mover-se nos pensamentos, sentimentos e ações, talvez estejam cansadas, descrentes; mas também, no seu íntimo, podem carecer de se reconhecerem no NÓS, como se mostra no presente, diferente de anos atrás. E também estar realmente vendo algo importante que os demais não estão. Somente elas mesmas podem contar o que se passa, e talvez precisem de ajuda –  se há confiança –  com boas perguntas para que adquiram clareza sobre seus motivos mais profundos.  Numa iniciativa há as forças que puxam para o futuro, abrem caminhos; e também as que seguram o passado, em nome de proteger uma essência.  

Há uma dinâmica, uma tensão que mantém a coesão. O antagonismo em si nos desafia e se assim quisermos, ele questiona nossas crenças e valores. Muitas vezes sentimos antipatia pelo antagonista, e aí estamos no campo que falamos acima: separar a vida da iniciativa da vida pessoal, das relações pessoais. 

Uma iniciativa, esse SER, é tudo isso. As tensões são vivas, as insatisfações exigem mudanças. E faz parte da vida organizacional o ir e vir de pessoas!  A organização é um SER, cuja vida se realiza por meio das pessoas a ela dedicadas, que, além de emprestarem sua vitalidade, criam cálices para outras forças atuarem, as quais não alcançamos com nossa consciência. 

O que para alguns pode significar inovação necessária e desejada, para outros pode significar perda de identidade, descaracterização. Um grupo saudável (ideal), é capaz de expor e carregar em cada momento, as satisfações e as insatisfações, amorosamente. 

14. Como manter os acordos que são tão vivos em um grupo tão grande e diverso?

Creio ter respondido na pergunta de número 5.

15. Como trazer consciência para avaliar se os acordos implícitos ainda estão válidos?

Observar com atitude de pesquisador: fazer uma pesquisa, juntando fatos, lendo o fenômeno que eles manifestam. Processos se dão no tempo. É preciso tempo, tempo de vida, não só falas mentais. 

16. Acordo é o canal para o espírito viver! Como integrar o Ser Espiritual da Organização com a individualidade dos participantes?

Como integrar? Se alguém está lá na iniciativa, já está acontecendo o destino entre a individualidade e a iniciativa. Para mim “integrar” soou como uma expectativa de que cada um venha a cumprir um roteiro já imaginado. O encontro é a integração dos impulsos. Um futuro para a iniciativa pode ser desejado, mas não está visível objetivamente. Cada pessoa agrega vida, não apenas bebe vida da iniciativa. 

Muitas vezes os pioneiros cuidam de princípios, zelam para que certos valores sejam efetivos e trazem a memória do que o coletivo viveu junto. Porém as novas pessoas trazem o novo. E novamente estamos diante da tensão entre conservar e inovar. As duas forças convivem na vida.

 

17. Quais os acordos explícitos e implícitos na biografia de uma Organização?

Eu não sei. Imagino haver acordos implícitos quanto a condutas como a verdade e a gentileza mútua, por exemplo. Mas uma pesquisa atenta poderá identificar também consentimentos coletivos (acordos implícitos) para a prevalência de valores discriminatórios tal qual acontece no mundo, como ex.: origens, gêneros, tendências políticas e religiosas, idades, etc…

18. Em algum momento da história da humanidade temos evidências de cumprimentos de acordos? Que características tinham? E o que se perdeu para ser tão dolorido cumprir? 

Hoje tudo dói, por que estamos todos mais conscientes. Isso é um outro tema. Serei feliz em podermos falar sobre isso. Não me parece que antes havia acordos melhores, mas que nós vivíamos menos acordados e por isso aguentávamos os desconfortos, sem questionar tanto. 

19. O que sustentam os acordos, considerando a vida que eles manifestam?

O que mantém os acordos vivos, é a conexão que eles promovem entre as pessoas. 

20. O acordo bom precisa ser desconfortável. O que precisa morrer em mim em prol do grupo do todo? Como deixar isso claro?

Acho que nem sempre precisa ser desconfortável, mas sempre precisa dar um espaço onde eu possa ser livre, mesmo que dentro de contornos. Como deixar claro o que se pensa? Arte de comunicar, arte de conectar. 

21. Quando vc traz DEFINIR UM COMO para os acordos, é no sentido de propor e experimentar, e então viver com o que é novo e precisa ser adaptado / alterado? estar em constante mudança?

Eu quis dizer que a gente toma uma decisão no momento, algo que enxergamos como caminho, mas que é bom ter em conta que esse certamente não é o único possível para realizar aquilo que se mostra importante. A vida é um mar de possibilidades. Se uma estratégia falha, não precisamos desistir da meta. Se um acordo está ruim, não significa que não seremos capazes de ajustar para um melhor, e nem que nossas metas comuns não têm lugar no mundo. A gente costuma ter pressa e querer acertar, ou seja, resolver definitivamente. Isso é uma ilusão. Não há respostas definitivas para o que está vivo. Há respostas boas no momento.

22. Nos desafios de grupo, quando misturam acordos com incômodos pessoais, como trabalhar nessa questão. Quais caminhos além de pedir para fazer o biográfico?

Há muitos caminhos para percebermos a nós mesmos. Hoje em dia lido com o Aprender do Destino, a Formação Dinâmica de Julgamento e o Fórum.  Posso falar de cada um se me procurarem. 

Marina, companheira na facilitação desse encontro, oferece sessões on-line de Renascimento-Respiração Consciente e recomenda caminhos terapêuticos, especialmente a Análise Bioenergética. Está disponível para conversar sobre esses caminhos.

23. Qual é o caminho para se encontrar bons acordos?

O campo para nascerem bons acordos é a conexão: simplifico aqui no nosso contexto em “aceitação da diversidade” e “confiança”. Há processos de desenvolvimento individuais e em grupo para o cultivo dessas possibilidades humanas. O Fórum- círculos de confiança, é um deles, com o qual atuo. 

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